segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

LUKE EM ESTADO DE NERVOS




  Foi até a Ponte do Arco-Íris e se preparou para o ato final.

  Amarrou uma ponta da corda ao pescoço e com a outra enlaçou o paralelepípedo.
Enquanto fazia isso, rememorou tudo que aconteceu há pouco no Bar do Otanias.

  Tudo estava em paz às dez da noite daquela sexta, não fosse uns pissicos pegos pela polícia após tentarem roubar outros pissicos.

  Eduardo e mulher tomavam uma cerveja de litro.

  Do lado, Nereu puxava um samba, coisa não muito comum àquela hora.

  O sonho dele era ter uma foto sua na parede interna do Otanias. Com pandeiro e duas moças, que ele já tinha em mente, a seu lado.

  Mas logo perde as esperanças, ao ver chegar aquele grupo de Hip-Hop que o Otanias contratara por um mês. Como chamavam aquilo de música? Samba de raiz é que era o máximo.

  Eis que chega Luke. Tem olhos azuis, tristes, e está de regata e bermuda. De imediato, vai pra cima do Marcinho, que joga sinuca.

  Márcio usa “dreads” nos cabelos. “Dreads” longos, amarelos. O único com “dreads” amarelos nas imediações.

  Luke o chama prum canto. Começam com poucos gestos. Dali a algum tempo, a gesticulação é mais veloz, os lábios se crispam, as bocas aumentam suas aberturas.

  Um escândalo se inicia. “Fiat escandalux”. Os dois começam a bater boca.
- Quer saber? Foda-se!
Luke fica uma arara.
- Eu conto teus podres. Você duvida?
- Não vai ter efeito. Todo mundo sabe.
Marcinho tenta se livrar.
- Vai embora, Luke. Eu prefiro ela. Tu tá fora.
- E os planos que fizemos?
- Que planos? Você tá precisando de terapia.

- Você que tá. Quer que eu te indique?
- Você é um coitado!
- Não me chama de coitado! Ninguém merece ser chamado de coitado, tá entendendo?
- E os nossos planos de um grupo de dança e de um estúdio pra feitura de“dreads”?
- Não sei do que tá falando?
- Eu tenho o testemunho de tua família!

- Eles são eles. Eu sou eu.
- Eu os amo como minha família. Sou amigo dos teus cinco irmãos árabes.
- Se eu visse no que ia dar, tu não ia em casa de mãe e comia minha Kafta no Espeto.
- Eu dei um carro pra cada um!
- Porque você quis!
- E o sexo?
- Isso não liga nada.
- Por ti enfrentei a Fera do Lago naquele game!

- Deixasse eu enfrentá-la.
- Não tou acreditando!
- Olha, vamos parar...

- Eu compartilhei a o teu álbum de “dreadlocks”.
O pessoal do bar estava em volta apreciando a discussão. Gritavam que queriam briga, sangue. Luke continuou alfinetando Marcinho.
- Você é um dissimulado. Devia saber. Não se confia em homem de bigode. Nelson Merd já dizia...
- A vida é assim. Como ela é. Dói.
- Nem cem terapeutas dariam conta da tua mente malévola! Tu tá me trocando por uma mulher!
- Sim, com ela não me sinto só!
Fala Luke aos demais.
- Gente, este porco me deu esperanças! Não tem sensibilidade!


  Todo mundo querendo ver postas de carne no chão espalhadas e eles só no papo contra papo.

  Chegou a atual. O nome dela era Mercedes Telúrica. Gordinha, elegante, com um problema num dos braços. Mais curto que o outro. Um lado dos óculos remendado com esparadrapo.

  Vestida com uma minissaia que, pelo amor, tiraria um santinho do altar.

  Coxas grossas como a libido dos ex um dia foi.

  Mercedes era pintora. Tinha penetração nos meios artísticos. Suas exposições sempre eram concorridas. Seus mosaicos eram sublimes.

  Além do mais, sua habilidade em fornecer sem furo algum imensa quantidade de pó era muito apreciada. Sempre tinha o bastante pra todos. E pra Marcinho, consumidor assíduo, era a mão na roda.

  Na verdade, Luke não sabia da missa a metade.

  Mercedes era uma das atuais. Marcinho se juntaria a duas mulheres. Seria um casamento a três. Elas queriam um homem feminino pra completar o casamento delas.
  Quando o casal foi embora, Luke ficou arrasado.

  Bebeu até as duas da madruga. Foi pra casa cambaleando. Lean e Moreno deram uma ajuda.

  Deixaram o coitado na casa de sua mãe, onde Luke passara a morar. Ficava ali pertinho.

  Fosse mais longe, creio que pensariam melhor.
 

  Luke só pensava no que Márcio disse no dia anterior ao encontro no bar. Falou que transava com todos, menos com ele.
 
  Luke lembrou de algo. Foi na área de serviço e pegou uma corda. Num carrinho de mão, pôs um paralelepípedo que o pessoal da Prefeitura deixara em frente e ele arrastara ao quintal pra escorar o galho de uma planta.
 
  Rumou para a beira do Rio Cubatão. Pegou a corda, amarrou na pedra e no pescoço.

  Quando balançou a pedra, num lance súbito, ela foi pra trás. Por um golpe de sorte, não caiu no rio. Mas ganhou umas dores daquelas. Ficou estirado na pista. Sua lombar deu sinal. Não conseguiria levantar não fosse uma alma caridosa.

- Me considere o seu anjo! - falou Haroldinho e o colocou de pé. As dores passaram milagrosamente.

  No momento em que ia agradecer, o samaritano desapareceu.
Voltou pra casa. Precisou um litrão de vodka para virar a página, depois de vomitar nela.

  Amanhã, estaria ruim, ainda. Um outro trauma. Depois, bem depois, talvez um ano, como concordavam Moreno e Lean, viria a calma.

  Lembrou Luke a canção Behind Blue Eyes, do The Who...Como é que era a tradução, mesmo?

"Ninguém sabe como é, ser o homem mal
Ser o homem triste, por trás dos olhos azuis
E ninguém sabe como é, ser odiado,
Ser destinado, a contar só mentiras...

Mas meus sonhos não são tão vazios
Quanto minha consciência parece ser
Passo horas, de pura solidão
Meu amor é a vingança que nunca é livre..."

  Teve fome. Pensou: comer é a melhor vingança...

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