sábado, 27 de outubro de 2012

VAIDOSOS DE PALESTRA

Estava eu pisando nos vestidos da noite com minha cadela preta quando vimos um cão palestrando com as sombras dos sapatos da lua.
Parecia um cachorro muito culto. Talvez seja um daqueles cachorros.....Não, não é nada. Não acreditem em mim.
Não sei a causa de desperdiçar com as sombras seus canídeos conceitos.
O fato é que me senti atraído pelo que expunha.
Acabara o cão de dar a palestra quando o interpelei:
- Bela palestra!
- Não precisa puxar o meu rabo!
- O que é isso, meu amigo?
- Fiz essa palestra como um teste. Não quero fazer mais.
- Mas foi tão produtiva. Você falou sobre...comé mesmo? Ah, sim...das nuances da.....do como .....sei lá, foi demais!
- Este é o problema. A escrita é individual. O escritor não tem que se envaidecer. Tem apenas que viver. O tempo do escritor em palestras poderia ser empregado pra escrever ou ler. Um escritor não pode palestrar com verdades de carteirinha.
- Por que de carteirinha?
- Você não entende? No momento da palestra posso ter sido responsável por matar um escritor de futuro. Posso ter acentuado uma momentânea covardia. Ele pode ter se constrangido com meu conhecimento, que ainda tá se construindo e que eu posso resolver apagar como fez aquele filósofo, o Wit....... E não adianta você dizer que se ele desistir é porque ele não tinha direito a um futuro. Porque eu lhe dou uma patada.
- Mas e os outros?
- Os outros são pessoas que querem sair daqui com a sensação de terem escutado um gênio literário. A porra de um gênio literário de merda. São uns vaidosos de palestra. Já ouviu falar? Precisam de ícones.
- Você quer um osso? Tenho um aqui, ó...
Saí correndo. Quase mordeu minha mão.


sábado, 13 de outubro de 2012

ESCULTURAS PENADAS


Quem passa, à meia-noite, pela Praça do Escritor Maior, se está sintonizado com as forças paralelas da vida, ou mesmo se apertar um pouco os olhos, ou espremer um pouco a alma, notará a tristeza que assalta certa personalidade, considerada em vida um dos grandes escritores de São Paulo, quiçá da Nação Brasileira.
Ali o vi quando voltava da casa de uma cunhada. Me aproximei de seu busto como quem não queria nada. Não fiz as perguntas de praxe por conhecer o Escritor Maior de longa data, nos meus muitos momentos de solidão lilterária.
Fiz-lhe uma pergunta de supetão:
- Meu mano ( não estranhem essa intimidade, não há frescuras entre nós), o que lhe deixa triste como a voz de um sino?
- Ah, Nato (assim só me chamam os íntimos da família), olha essas pichações! Só de imaginar que em vez do meu busto poderia estar aqui o do Menino Fininho, personagem que criei. Ainda bem que é o meu busto que aqui está..
- Mas, Afonso, são os vândalos. A culpa é da falta de educação. Os meninos que fazem isso tiveram pais ausentes e....
- Quisera crer que fosse só isso....
E  ficou soluçando bastante. Parecia que seu soluço se estenderia por toda a madrugada. Cada lágrima sua era uma gota pesada de melancolia.
Meus olhos estavam pesados, em petição de miséria. Como o resto do corpo.
De súbito, ouvi um barulho de bigorna sendo arrastada. Um vulto. Gritei:
- Quem vem lá?
- Apenas um operário arrastando uma bigorna e trazendo uma placa de bronze no pescoço..
- Peraí. Tou te reconhecendo. Você não tava na Praça das Indústrias, na frente do Teatro Municipal?
- Uns vândalos roubaram meu corpo-escultura, mas, eu – a alma daquela obra - consegui escapar. Tenho medo de voltar pro mesmo lugar.  Além do mais, nem sei o que fizeram de meu corpo-escultura. Aqui, vivo a arrastar esta bigorna toda madrugada. Porém, não faço mal a ninguém. E só os sensíveis como tu percebem.
- Por que aqui?
- Porque esta praça é simbólica pra nós, esculturas. Aqui fica o busto do valoroso Escritor, que amou esta terra como poucos. Por milagre, ainda não foi roubado.
- Tá bom. Entendo. Pode continuar seu caminho. – E me sentei.
- Daqui há pouco. Por enquanto, quero me sentar um pouco. Posso me sentar a seu lado?
- Pode.
- Ontem, encontrei a alma do busto de Getúlio Vargas. Vive a rodear a praça que leva seu nome, deixando, volta-e-meia, a cabeça cair...
- Sei. Deve ser porque roubaram a cabeça de seu busto.
- Veja que situação triste. A violência contra nós, esculturas, não tem tamanho. É um descalabro.
- E onde andará a alma do busto do Grande Jornalista, que ficava na entrada da cidade?
- Não sei.
- E a escultura que ficava sobre o obelisco da Praça Taquaritinga?
- Que inferno! Como eu vou saber?
- Calma, foi só uma pergunta...
A alma da escultura do operário se levantou e continuou a arrastar sua bigorna. Fazia um barulho horrendo.
Acabei adormecendo ali mesmo, quase ao lado do busto do Escritor, que se aquietara.
Quando acordei, olhei no celular e já era meio dia.
O que iriam dizer no meu serviço? De novo, o aluado chegando atrasado. Nenhum deles iria querer saber das minhas insônias constantes.
A meu lado, percebi uma série de rostos. Uma mulher sem dentes. Um homem fedorento. Uma criança de peito. Eram, pelo que percebi, mendigos que ali encontraram espaço, por enquanto, até serem expulsos ou encontrarem abrigo em outra praça.
Quando olhei a criança, me veio à mente um fato que lera no depoimento de um vereador eleito. Um fato que ficará comigo durante muito tempo. Ele vira uma criança pegar uma chupeta que caíra numa vala e pôr à boca. O que posso fazer a respeito desse fato? O que podemos fazer?
Senti debaixo de mim uns jornais. Na certa, aquela mendiga de olhar mais gentil os colocara.
Peguei um dos jornais e li que está sendo feito um levantamento das depredações nas praças para um programa de recuperação. Que bom. Talvez essas almas de esculturas penadas tenham paz.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

PARA A MULHER DO FUTURO

Uma garota de quatorze anos ao norte do Paquistão. 
Uma garota que, na florescência de seus quatorze anos, briga pra que as mulheres paquistanesas tenham escola, entre outros direitos.
Com onze anos, a jovem escreveu um blog a BBC descrevendo o domínio do Talebã em sua região, protestando contra o tratamento dispensado às mulheres e clamando pela paz entre Paquistão e Afeganistão. 
Com onze anos, vejam bem!
Malaia mostrou ao mundo que as jovens paquistanesas não compactuam com as leis impostas pelo Talebã.
Então, um homem parou a van e atirou.
Malaia Yousafzai levou um tiro na cabeça no caminho da escola para casa. 
Quantas mulheres não foram queimadas, esmagadas, enterradas, ao longo da história, em nome dos valores patriarcais embutidos nas religiões dominantes!
Antevejo ainda muitas dificuldades a serem enfrentadas pelas mulheres. Não vejo muita diferença entre as mulheres daqui e as dos países misóginos que citei.
Aceitam a inferioridade de serem, no máximo, costelas. Não obstante, haja exceções.
Temos mulheres maravilhosas, mas, muito satisfeitas em serem espelho de santas, de virgens. 
Usam a mesma lógica aplicada pelos especialistas, em grande parte, homens, na análise dos livros religiosos. 
Uma lógica inteligente, inobstante falha se analisada com espírito de justiça. 
Um espírito de justiça que deveria considerar tanto o feminino como o masculino.
A Justiça Divina, pela dita Onipotência, Onisciência, se analisada com rigor, determinaria que viessem como Filhos de Deus um Casal Redentor, por ser isso mais igualitário. O homem e mulher só existem como gênero pela igual participação dos gametas masculinos e femininos.
Então, toda história de criação do mundo, seja nos mitos ou verdades ocidentais e orientais, deveria ter outro caminho, se considerassem esse ponto de vista.
Entretanto, a base de muitas de nossas verdades é patriarcal, trazendo como resultado o predomínio do "pai" até nas expressões linguísticas.
Mas, acredito no crescimento da Mulher. E esta crescendo nos ajudará a crescer. Morrerei antes que isso aconteça do modo que imagino.
Espero que nós, homens, não acabemos como o mundo antes disso. Entre nós, homens, coloco também essas mulheres que comungam de todo o legado patriarcal.
A Mulher que desejo no futuro, ao lado do Homem procurado pelo filósofo Diógenes, não terá réstias de um passado injusto.
Porém, sei, que, até lá, é necessário que surjam muitas mulheres maravilhosas, como a pequena Malaia, como Chiquinha Gonzaga, como Simone Beauvoir, para, com suas células, constituirem o Corpo da Verdadeira Mulher Companheira do Homem, que surgirá, moldado pelas lutas Dela.
Malaia, nós, os que esperamos, te saudamos!
.